Verdades e groselhas

Verdades, governos e groselhas
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Juro que é verdade! Eu tinha uns treze anos e sempre brincava com ele; um menino normal, não fosse o caso de chorar groselha. É sério! Dessas mesmas groselhas que estão à venda nos supermercados em garrafas de um litro; tinha, aliás, a mesma cor, textura e sabor que a groselha vitaminada Milani. Era uma festa! A molecada jogava bola na rua, brincava de esconde-esconde e sempre que necessário parava pra dar umas bofetadas na cabeça do Samuca, só pra ele chorar o nosso refresco. Todos se juntavam em volta dele e o seu choro foi fazendo fama; onde ia ele levava uns tabefes. Quanto mais apanhava mais groselha. Tivesse festa na escola e logo de manhã formavam-se duas filas: uma pra tomar o refresco, outra pra espancar o Samuca; se tinha quermesse, era o milagre da multiplicação dos sopapos. Ele foi crescendo e desenvolveu a capacidade de produzir groselha sem precisar apanhar, a coisa virou involuntária; mas ainda assim todos queriam espancá-lo, pelo prazer manter a tradição.
Ainda me lembro o dia em que o presidente lançou o programa Sede Zero para distribuir groselha para a população pobre e quando um senador do seu partido fez o Sede Mínima, para que toda a população pudesse receber um litro diário do refresco. O moleque ficou famoso, foi para Brasília, apareceu na TV, recebeu medalha, virou capa de revista... Tudo era muito legal! O problema é que, como todos sabem, groselha é muito enjoativa e depois de alguns meses ninguém mais no planeta aguentava nem sentir seu cheiro. Era o fim. O menino não conseguia diminuir a produção, que de tão grande já estava contaminando os rios e ameaçando o mar. Pensando no bem do planeta, o governo não tinha outra opção, teve que matar o Samuca. Ainda bem!