Questão irrelevante

Maradona e a tragédia necessária
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Quem não tem mais o que fazer fica discutindo sobre quem foi o maior futebolista de todos os tempos. Pelé ou Maradona? Questão irrelevante, como se vê; não fosse o fato de que o futebol é a coisa mais importante dentre as coisas não importantes. O certo é que não importa discutir números nem habilidades, o relevante é pensar sobre a possibilidade de salvação das nossas almas e nesse quesito só Maradona é craque, só ele pode nos salvar; ele é o deus transformado no humano demasiado humano, no semideus que sofre a tentação da mulher branca de sabor misterioso e de prazeres proibidos, no homem que sucumbe diante do absurdo da sua condição. El Pibe é o ser trágico que se eleva à condição de divino, que renasce do pó e traz a redenção ao seu povo. Pelé é mortal, sequer chegou a ser lenda, Maradona é imortal e, por isso, está muito além da limitada razão humana; por conta disso os tolos infiéis jamais endentem a paixão obsessiva dos seus seguidores. Como todo deus criado, para compreendê-lo é necessário conhecer o seu criador: o povo argentino massacrado por uma ditadura militar sangrenta, flagelado pelos seus próprios erros e vítima de uma guerra que não era sua... O salvador só pode nascer entre aqueles que esperam seu nascimento. Se a glória é própria dos reis, a tragédia é própria dos deuses pois é a tragédia que nos faz lembrar que nós somos humanos, que somos mortais, que somos vítimas e que podemos vingar nossas feridas, é ela quem nos faz repensar e organizar a nossa existência. Por isso que os maradonianos insistem em dizer: Pelé pode ser o rei; reis há vários, mas deus só existe um!