Quadrilátero do pecado

Homem e mito, à margem da lei e dos bons costumes
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Estou feliz e triste ao mesmo tempo; pelo mesmo motivo: a figura mais extraordinária da vida paulistana vai parar no cinema. Soube esta semana, estão fazendo um filme baseado na vida de Hiroito Joanides. Para quem não conhece, esse sujeito foi o rei da Boca do Lixo entre as décadas de 1950 e 1960. Para mim, há uma década ele tem sido uma espécie de companheiro invisível, um amigo constante, um sujeito que me influenciou o modo de ver o mundo. Hiroito foi cafetão, traficante, ladrão, assassino, passou anos na cadeia, saiu virou escritor, fez um livro fascinante. Também era metido a intelectual; foi leitor de Heidegger e Baudelaire. Cínico, arrogante, hipócrita e gênio usava o que aprendia nos livros de filosofia para dominar e transformar o submundo da cidade e, entre prazeres e vícios proibidos, à margem da lei e dos bons costumes, dominar o quadrilátero do pecado, na atual Cracolândia. Anos depois ele diria: 'eu e a sociedade estamos quites; o muito de mal que ela causou-me, retribuí-lhe com o muito de perturbação que lhe causei'. É uma personagem que certamente pode dar um filme extraordinário. Que bom, que pena! Por anos pensei em escrever sobre ele e sobre a Boca, se pudesse eu teria feito esse filme. Ele era uma figura que fazia parte da minha vida, talvez de mais uns dois ou três, era quase um segredo; provavelmente agora ele se tornará famoso, muita gente vai falar dele. Meu egoísmo será ferido, mas o lendário Hiroito, e quem assistir o filme, certamente vai sair ganhando. Tomara que ele crie novos discípulos!